“Ignorance, allied with power, is the most ferocious enemy justice can have.” – James Baldwin
Lisa Simpson, a resoluta ecoativista, bate de porta em porta num Domingão para tentar conscientizar seus concidadãos do estado lastimável de poluição do Lago Springfield. Ele tá todo contaminado com mercúrio e com os resíduos radioativos da usina onde seu pai Homer trabalha. Uma a uma, as portas batem em sua cara sem nem deixá-la completar uma frase. Ninguém quer nem saber dos crimes ambientais do Mr. Burns ou do Mr. Simpson, poor Lisa.
Dias antes, a única integrante da família Simpson que parece ter aptidão para o pensamento crítico e preocupações ecológicas havia assistido à morte por afogamento do Green Day: a banda punk-pop, aclamadíssima pelos Springfieldianos durante seu show no Lago Springfield, sofre um revés da fortuna quando decide fazer uma fala sobre ambientalismo.
“The Simpsons Movie” afirma que há um caldo cultural na Yankeelândia que é de violenta fobia contra qualquer laivo de “ecochatice”. As vaias explodem antes mesmo de Billie Joe Armstrong começar seu argumento ambiental – e uma chuva de agressivas latinhas e pedradas voa sobre o palco.
Não bastasse a agressão coletiva, a banda sofre algo pior: mal tem tempo de avisar que o palco onde tocavam estava sendo carcomido pelas substâncias contaminantes no Lago. O palco-navio logo sofre um naufrágio, com o trio tocando violinos como se estivessem entre os músicos do Titanic.
Ninguém os salva deste afogamento coletivo. A fobia ao discurso ecológico, ou seja, o negacionismo entranhado em relação à catástrofe ambiental em curso, é um forte fator social na cidade-sede do desenho animado mais bem-sucedido de todos os tempos e ganha primazia nesta sua incursão cinematográfica de 2007, “The Simpsons Movie”. Lisa Simpson é a única voz dissidente no coro raivoso dos Springfieldianos agredindo o Green Day mesmo quando a banda afundava para a morte: ela achou que eles tocaram num assunto vital. Os Springfieldianos discordam.
Ufa, uma banda de ecochatos a menos no mundo, que morram todos!
Na Town Hall, Lisa tenta em vão sensibilizar os concidadãos com verdades que eles consideram muito irritantes (muito além de “inconvenientes”, Mr. Al Gore). Acompanhada por seu namoradinho na guitarra, Lisa tenta preocupá-los com a poluição galopante dos recursos hídricos da cidade. Tá todo mundo cagando e andando. Depois revela que sabendo que eles não a escutariam, colocou água do Lago Springfield para eles beberem. Lisa é Pranksterism com causa, ao contrário de Bart, o diabinho sádico do pranksterismo gratuito.
Lisa Simpson assiste à sua platéia cuspindo em coro a água intragável que todos os Springfieldianos ajudaram a poluir – ainda que alguns menos que outros. É óbvio que Homer Simpson, em sua estupidez abissal, é um dos principais responsáveis por esta situação tão catastrófica que irá colocar a cidade numa baita quarentena imposta por Força Maior: sealed under a dome.
DISTOPIA SPRINGFIELD
A premissa do filme é que após tornar-se uma das cidades mais poluídas do planeta, Springfield precisa ser isolada do mundo – e por decisão do Presidente Schwarzenegger, pressionado pelo Sr. Russ Cargill que comanda a EPA, a cidade onde moram os Simpsons é selada e posta no isolamento sob o domo.
A “gota d´água” – na verdade, um silo inteiro de merda de porco (pig’s crap) – que causa a catástrofe ambiental é evidentemente proporcionada por Homer Simpson. D’oh! Ele pratica dumping no Lago mesmo após todas as autoridades terem tomado medidas drásticas para evitar a descarga de mais tóxicos nas águas.
Springfield transformada em vilã nacional já é demais: a turba ensandecida do povo se revolta contra Homer. Portando tochas e proferindo gritos, dirigem-se à morada dos Simpsons. Esta não sobreviverá à treta de proporções fílmicas que vemos na telona, e sem-teto, refugiados, os Simpsons irão ao Alaska e beyond antes de realizar seu retorno quase triunfal à cidade natal.
O maior interesse do filme dos Simpsons é a ênfase que dá na catástrofe ecológica e o humor cáustico com que descreve a estupidez Homer Simpsoniana – agora re-empoderada com o estupidíssimo Trump – como causa da Casa-planeta estar em chamas e toda contaminada.
Sátira também de um governo capaz de cometer genocídio contra uma Springfield tratada como os gângsters de Grace trataram Dogville. O governo dropa uma bomba relógio pra dentro do domo; Springfield e seus habitantes não merecem mais viver, parece dizer Cargill da EPA, manipulador do presidente Schwarzenegger; na motoca, Homer e Bart salvam o dia, e são as exigências do cinema comercial impondo o happy end.
Mas o filme não acaba numa chave ingênua, mas assim colocando-se como objeto-pop digno de atenção de todos que hoje estudam a Agnotologia. A estupidez importa pois causa efeitos gigantes no mundo – é a lei dos vastos números, e também a lei do poderio injustamente concentrado nas mãos dos estúpidos. Homer Simpsons n’A Casa Branca em meio à queimação das condições da vida florescente no futuro do planeta: eis-nos no cerne da tragicomédia contemporânea.
Eduardo Carli
Publicado em: 05/02/25
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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